ESTRANHA FORMA DE DEMOCRACIA

esta, de Helena Roseta. Orientação parecida já havia sido seguida pela jornalista (ao que parece também com causas) Ana Sá Lopes, neste artigo de opinião do dn. Confesso que a lógica da coisa é bastante sedutora. No fundo, funciona assim: como somos muito democratas vamos a votos a ver se os outros pensam como nós. Se por acaso não pensarem, paciência, impomos a nossa vontade na mesma, pois é evidente que a razão está do nosso lado. Suspeito que o outro senhor, cujo nome não devemos pronunciar, não faria melhor.

Comentários:
Rui, belo post. Só uma dúvida: quando fala do «outro senhor, cujo nome não devemos pronunciar», está a falar do Salazar, ou do Manuel Alegre? (Ops, acabei por pronunciar...)
 
Não havia necessidade Jorge. Bem sabe que esse nome está proscrito da nossa sociedade pluralista e democrática. Respondendo à questão, trata-se como é óbvio do 1.º nome.
 
É a mesma lógica da malta que disse este fim-de-semana que Cuba é a mais perfeita democracia do mundo...
 
Dos textos da Ana Sá Lopes que me lembro de ler, nenhum foi particularmente feliz. Mas este ("Referendo, aborto e lei de Murphy") bate todos os recordes em termos de disparates.

A Ana Sá Lopes não entende que, em democracia, decide quem aparece.
Quer dizer, acho que ela até percebe mas apenas quando quem aparece decide como lhe interessa.

Mas o que ela não entende é o que a Constituição diz.
É que a Constituição não diz que, caso o referendo não seja vinculativo, o Parlamento deve decidir de forma contrária ao resultado. Diz, isso sim, que, se o referendo fôr vinculativo, o Parlamento está obrigado a legislar no mesmo sentido do resultado.
Não sendo o referendo vinculativo, é importante respeitar a vontade de quem se deu ao trabalho de ir votar. É que esses decidiram o que querem e os que não votaram não disseram que queriam que o Parlamento decidisse por eles.

O problema de democratas como a Ana Sá Lopes é que, para eles, a Constituição e as Leis só são para respeitar quando eles concordam com elas. Quando a Lei não lhes agrada advogam que não seja respeitada. E quando, como neste caso, a Lei não lhes permite impôr a sua vontade falam como se permitisse.

Alguns dirão que, com estes democratas, o melhor é deixá-los irem falando que se enterrarão a eles próprios. Não concordo.
É que muita gente não sabe o que a Lei diz e, na ausência de contraditório, aceitam como válidos os disparates como os que Ana Sá Lopes juntou para construir o texto referido. Afinal, ela até escreve paa um jornal portanto deve saber do que fala.
 
Piora quando se trata de uma jornalista que devia aparentar alguma independência e isenção.
 
A "estranha forma de democracia" não tem nada de estranha. Se mais uma vez o referendo não for vinculativo, não se pode tirar daí a conclusão que a maioria do eleitorado não acha esta questão tão importante como os ideólogos de ambos os lados, e que prefere que seja o parlamento democraticamente eleito a tratar do assunto? Onde é que está aqui a falta de democracia?
 
E porque não interpretar no sentido de que as pessoas não estão interessadas em alterar a lei?
 
Para se saber se a maioria do eleitorado (...) prefere que seja o parlamento democraticamente eleito a tratar do assunto é necessário perguntar-lhe.

Por que é que a abstenção não há-de significar não tenho opinião formada sobre este assunto portanto que decida quem tiver uma opinião suficientemente formada para ir votar?

Em democracia decide quem aparece.
A estranha forma de democracia deriva de, em primeiro lugar, chamarem-se os portugueses a pronunciarem-se sobre um assunto e, caso a resposta não nos agrade, pretender ignorá-la. Mas também se deve ao facto de se saber que essa lógica não é simétrica.

É que os que entendem que uma vitória não vinculativa do não é uma passagem da batata quente para o Parlamento são precisamente os mesmos que dizem que, uma vez resolvido o problema (leia-se, despenalizado o aborto a pedido), já não se pode voltar atrás.
 





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