A hipocrisia e o tiro pela culatra

O João Pereira Coutinho alerta, hoje no Expresso, para a maior hipocrisia de toda a campanha em curso a propósito do próximo referendo. Diz o João "que seria interessante perguntar aos paladinos das dez semanas o que tencionam eles fazer quando aos tribunais portugueses começarem a chegar as mulheres das onze, das doze ou das treze semanas".

Ora, eu ensaio resposta. Um dia, se o "sim" ganhar, estaremos de regresso a este preciso momento, discutindo uma alteração legal que permita o aborto livre até às 16 ou 20 semanas, para acabar com esse flagelo do aborto sem condições e dos julgamentos das mulheres. Mas isso, claro, será deixado para daqui a alguns anos. Entretanto, se o "sim" ganhar, continuará o engodo, agora em forma de triunfo. Dir-nos-ão que Portugal é finalmente um país civilizado (oh, mal sabem eles), onde a "saúde reprodutiva" é uma realidade e nenhuma mulher que aborta é julgada. Aliás, segundo a doutrina antropologicamente mais optimista, o aborto passará a ser, basicamente, uma realidade arcaica, datada historicamente, uma excentricidade sórdida de um passado longínquo e rudimentar. E este é o grande perigo. Se a isto se resumem os principais argumentos do lado favorável à mudança da lei, a luta contra o aborto sem condições - que permanecerá - será abandonada por aqueles que, apesar de por ela menos fazerem, são quem mais lhes dá amplitude e ressonância social, preocupados que estarão, então, em confirmar as suas previsões.

A eventual vitória do "sim" será a vitória do aborto clandestino, que regressará à penumbra onde se sente bem, longe dos salões, das visitas e das pratas, esquecido atrás da porta dos fundos da memória, como nas famílias dos livros de Agustina.

Comentários:
Absolutamente verdade. E falta referir outro aspecto: se o SIM ganhar, muito provavelmente não haverá mais referendos sobre o aborto. As próximas alterações à lei serão feitas no parlamento (como muitos políticos sempre quiseram), e daqui a uns anos teremos os deputados a votar a despenalização do aborto até às 16 semanas, depois 20, e por aí fora, sem referendos. Haverá sempre uns anos de intervalo, mas a propaganda é cíclica, e o "flagelo do aborto sem condições e dos julgamentos das mulheres" continuará até o aborto ser totalmente liberalizado, sem limites de tempo.

A razão é muito simples: quem permite o aborto até às 10 semanas logicamente também permite até às 20, ou muito mais. E haverá sempre mulheres a querer abortar até perto do nascimento, tal como acontece em todos os países "evoluídos" que permitem o aborto.

Se o NÃO ganhar de novo, já todos sabemos o que vai acontecer: 2 ou 3 anos depois teremos outro referendo, e depois outro, até os políticos conseguirem um SIM, e poderem finalmente instituir a sua "solução final".
 
É o primeiro passo para a liberdade de matar mais próximo do parto? Serão precisos quantos referendos para que a coitadinha da mulher tenha a ligitimidade de optar pela não vida do filho às 30 semanas? Afinal as mães das Vanessas e muitas outras, são as infelizes e as vitimas é que são o incómodo...
 
2 coisas:


1.Aprecio imenso o esforço intelectual e a clareza do raciocínio da sra sr? Gana. Até cita Pascal! Concordo absolutamente consigo.

2.Gostaria de lembrar aos restantes que não há prova de que existe alguma tendência para aumentar a quantidade de semanas onde se pode abortar. Na Inglaterra até existe um retrocesso no processo.
 





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