Hipotéticas hipóteses
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Mas a conversão que mais me surpreende é a de Joana Amaral Dias. Na passada 2ª feira (18/12/06), a sempre polémica Joana escreveu no DN um artigo tão moderado que parecia uma garrafa de vodka sem álcool. Começa por querer "debater a mensagem" do tal cartaz do "não" que invoca o coração do feto às dez semanas, "embora não seja esta a questão que vai a referendo". Não senhor, o que vai a referendo "é a liberdade de escolha" e por isso "voto sim, independentemente da minha convicção pessoal". Imaginem: uma bloquista que abdica das "convicções pessoais" - e logo sobre o aborto... Como se o "sim à liberdade de escolha" fosse um assunto de evidente e pacífico consenso. O Presidente Cavaco, que não deve ser santo do altar joanino, diria que duas pessoas de bem com a informação correcta chegam necessariamente às mesmas conclusões. Que Cavaco, um protofascista, diga isso, até se percebe - mas a democrática Joana...
É claro que o problema, como ela sabe muito bem, não está na "liberdade de escolha", mas no que se escolhe fazer com essa liberdade: acabar ou não com uma vida humana até às dez semanas. Por isso a Joana se dá ao trabalho de explicar muito bem explicadinho que "colocar no mesmo patamar a vida do feto e a vida da mulher é falacioso. Desde logo porque a vida da mulher é uma vida autónoma, enquanto a vida do feto é uma vida potencial. Se o leitor imaginar que há um fogo numa clínica de fertilidade e que ou salva cem balões de ensaio - cada um com um ovo humano acabado de fecundar - ou salva um bebé recém-nascido, certamente não hesitará."
Quer-me parecer que, no incêndio, um bebé recém-nascido é tão pouco autónomo (ou potencial, se preferirem) como cem ovos humanos, o que estraga um bocadinho tão brilhante raciocínio. Mas esqueçamos isso e concentremo-nos no essencial. E o essencial é que o dilema, de tão rocambolesco, se torna puramente hipotético: nunca nenhum de nós se viu ou verá, com toda a probabilidade, perante a decisão de salvar cem ovos ou um bebé. Ainda por cima em tais circunstâncias. Pelo contrário, no dia 11 de Fevereiro todos estaremos perante a opção concreta de liberalizar o aborto até às dez semanas. O que coloca literalmente nas nossas mãos o destino, não de um bebé, não de cem ovos, mas de muitos e muitos milhares de seres humanos.
O resto são sofismas. E se ao incêndio se acrescentasse uma inundação, caro leitor? Como decidiria? Esperava que a inundação apagasse o incêndio? Ou deixava os balões de ensaio a boiar enquanto retirava o recém-nascido do fogo? E se, em vez da inundação, fosse um terramoto? Ou mesmo, já que estamos a falar em catástrofes improváveis, a vitória do Sporting no campeonato?
Agora é a minha vez de dizer: não, não é isso o que vai a referendo...
Comentários:
blogue do não
Veja bem, tenho dúvidas sobre o aborto. Bem sei que os senhores não têm. De resto, não tenho dúvidas sobre a sua descriminalização, que é o que está em debate.
tudo serve à esquerda para justificar a sua exustência. Já não é precisa a justiça social, a erradicação da pobreza, etc (graças ao bom trabalho sos socialismos (que irinia) agora tudo serve para a bandeira da esuqerda (aborto,eutanásia, etc)
Não, não é a descriminalização que está em debate. O aborto já foi descriminalizado nos três casos previstos há muito tempo. O que está em debate é a liberalização total do aborto até às 10 semanas. Disso não tenho dúvidas.
blogue do não