Hipotéticas hipóteses

Depois de muita gente lhes ter atirado as culpas pela derrota de 98, os radicais do "sim" andam mais contidos do que uma freira de clausura com reumatismo. Veja-se a Odete Santos: à parte um artigo longínquo e uma tirada muito ao lado sobre os "Morangos com Acúcar", não se dá por ela. Do dr. Louçã nem se fala, mas nas hostes abortivas sente-se o pânico de qualquer frase solta que meta sorrisos e crianças. O próprio Daniel Oliveira, no post que cito aí em baixo, confessou ter algumas dúvidas sobre o aborto. Imaginem: um bloquista com dúvidas - e logo sobre o aborto...
Mas a conversão que mais me surpreende é a de Joana Amaral Dias. Na passada 2ª feira (18/12/06), a sempre polémica Joana escreveu no DN um artigo tão moderado que parecia uma garrafa de vodka sem álcool. Começa por querer "debater a mensagem" do tal cartaz do "não" que invoca o coração do feto às dez semanas, "embora não seja esta a questão que vai a referendo". Não senhor, o que vai a referendo "é a liberdade de escolha" e por isso "voto sim, independentemente da minha convicção pessoal". Imaginem: uma bloquista que abdica das "convicções pessoais" - e logo sobre o aborto... Como se o "sim à liberdade de escolha" fosse um assunto de evidente e pacífico consenso. O Presidente Cavaco, que não deve ser santo do altar joanino, diria que duas pessoas de bem com a informação correcta chegam necessariamente às mesmas conclusões. Que Cavaco, um protofascista, diga isso, até se percebe - mas a democrática Joana...
É claro que o problema, como ela sabe muito bem, não está na "liberdade de escolha", mas no que se escolhe fazer com essa liberdade: acabar ou não com uma vida humana até às dez semanas. Por isso a Joana se dá ao trabalho de explicar muito bem explicadinho que "colocar no mesmo patamar a vida do feto e a vida da mulher é falacioso. Desde logo porque a vida da mulher é uma vida autónoma, enquanto a vida do feto é uma vida potencial. Se o leitor imaginar que há um fogo numa clínica de fertilidade e que ou salva cem balões de ensaio - cada um com um ovo humano acabado de fecundar - ou salva um bebé recém-nascido, certamente não hesitará."
Quer-me parecer que, no incêndio, um bebé recém-nascido é tão pouco autónomo (ou potencial, se preferirem) como cem ovos humanos, o que estraga um bocadinho tão brilhante raciocínio. Mas esqueçamos isso e concentremo-nos no essencial. E o essencial é que o dilema, de tão rocambolesco, se torna puramente hipotético: nunca nenhum de nós se viu ou verá, com toda a probabilidade, perante a decisão de salvar cem ovos ou um bebé. Ainda por cima em tais circunstâncias. Pelo contrário, no dia 11 de Fevereiro todos estaremos perante a opção concreta de liberalizar o aborto até às dez semanas. O que coloca literalmente nas nossas mãos o destino, não de um bebé, não de cem ovos, mas de muitos e muitos milhares de seres humanos.
O resto são sofismas. E se ao incêndio se acrescentasse uma inundação, caro leitor? Como decidiria? Esperava que a inundação apagasse o incêndio? Ou deixava os balões de ensaio a boiar enquanto retirava o recém-nascido do fogo? E se, em vez da inundação, fosse um terramoto? Ou mesmo, já que estamos a falar em catástrofes improváveis, a vitória do Sporting no campeonato?
Agora é a minha vez de dizer: não, não é isso o que vai a referendo...

Comentários:
Veja bem, tenho dúvidas sobre o aborto. Bem sei que os senhores não têm. De resto, não tenho dúvidas sobre a sua descriminalização, que é o que está em debate.
 
tudo serve à esquerda para justificar a sua exustência. Já não é precisa a justiça social, a erradicação da pobreza, etc (graças ao bom trabalho sos socialismos (que irinia) agora tudo serve para a bandeira da esuqerda (aborto,eutanásia, etc)
 
Não, não é a descriminalização que está em debate. O aborto já foi descriminalizado nos três casos previstos há muito tempo. O que está em debate é a liberalização total do aborto até às 10 semanas. Disso não tenho dúvidas.
 





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