Não são tiros, Senhor, são lilases

Julgávamos nós que os blogs eram sítios onde se podia exercer alguma liberdade formal na discussão. Textos nos mais variados tons, fotografias, gráficos cartesianos, erros ortográficos, humor, declarações exaltadas, gritos, equações, troca de elogios, prosa, poesia (épica, lírica, concreta ou mesmo haikus), citações, citações de Fernando Pessoa no Blog do Sim não precedidas de telefonemas para o autor há questão de uma hora, extrapolações, cartoons, mensagens encriptadas, recadologia vária, etc., etc.

Engano, puro engano. Para José Mário Silva, um decano nestas lides, a citação de um poema, no contexto de um blog de campanha, tem que obedecer a regras específicas, sob pena de ser "intelectualmente desonesta". Em primeiro lugar, não relacionar o poema com realidades que lhe sejam estranhas, mesmo que, como claramente aqui foi o caso, para delas contrastar pela positiva. Em segundo lugar, averiguar previamente se o poeta é ou não adepto da nossa causa, mesmo que em momento algum alguém tenha dito ou sugerido que o poeta o fosse. Para Zé Mário, a citação de um texto público e notório (para além de notável) tem que ser precedida de autorização. Francamente, Zé Mário! Compreendemos o sentimento de posse da esquerda Zé Mariana sobre tudo o que é cultura, mas deixa-nos, ao menos, citar à vontade.


(HAB/ENP)

Comentários:
O Zé Mário é o provedor da poesia. Não citem mais nada sem lhe pedirem autorização.
 
néscios,
o poeta esvaziou as vossas intenções. desautorizou-vos.
tiro no escuro, tiro no pé.
 
uma pena ver o autor da excelente 'sexta coluna' aqui metido. não pela causa ( do não- respeitável), mas por este blogue e a campanha do não em geral - abjectos, ambos.

Pedro V. Guerra
 
Boa noite

Olhando para o poema e conhecendo-se muitos dos argumentos do Não, penso que não há mal nenhum em aceitar a atitude defensiva daqueles que, como eu, lutam (enfim, eu não é bem lutar)pelo Sim. Para além da hipotética inocência (que não discutirei) na comparação entre a Carta à Minha Mãe e este poema (que toda a gente, à excepção de eu próprio, considera uma maravilha), quem defende o aborto também defende que o feto não tem discurso directo, sendo-lhes legítimo pensar que quem coloca este poema nesta conjuntura está à procura de tocar um certo tipo de sensibilidade. O José Mário Silva, ao seu estilo, e, no meu entender, muito bem e com espalhafatoso sucesso, tratou de redirecionar o "notável" lirismo a favor do Sim, no fundo o mesmo que o enp e a hab tentaram fazer, mas na direcção contrária. De maneira nenhuma penso que esteja aqui em jogo o "sentimento de posse" da esquerda em relação à cultura, um tique demasiado óbvio de expôr para pessoas de trinta anos e que fizeram as cadeiras todas da faculdade. Este blogue é um blogue político, defende uma causa concreta, clara, e tudo o que nele consta, supostamente, é para ajudar essa causa. O enp e a hab acharam que estavam com sorte em se terem lembrado deste poema. Muito bem. Só que tiveram um azar do caralho com o poeta. Apenas um carnaval antecipado fará supor que o facto de "em momento algum alguém tenha dito ou sugerido que o poeta" era ou não adepto da causa do Não exclui a evidência de que o enp e a hab alimentavam a esperança de que este poema os ajudasse. O José Mário tratou de esclarecer que, mesmo sendo esse o caso para alguns, ao poeta do poema não agrada a situação, e vá que lhe falou e citou (com autorização) o que ele falou. Querem o enp e a hab assegurar não só a utilização do texto "notório" e "público", como do que o seu autor lhe ocorre agora dizer? Poetas vivos dão destas chatices. Uma lição para o futuro: só citar mortos.

maradona
 
Quanto a mim, gostaria de ler e ouvir a opinião dos demagogos do "sim" depois de ter a certeza que tinham visto, de alguma maneira, o que acontece com a execução do aborto e, sobretudo, o seu resultado.
Talvez uma fotografias ou um vídeo os ajudasse a meter na fraca mioleira o que, afinal, se está a propor no referendo: um talho humano.
 
Exactamente, tiro no pé.

O Não perde terreno à medida que se espalha. Os senhores que defendem os filhos do direito penal...
 
isto é um belo tiro no pé, ou um pé no tiro. nem sei bem.

sem dúvida que o melhor comentário ao outro post foi este:

A sala das parteiras clandestinas mede 2 lilases quadrados.
A sala das clínicas de luxo mede aí uns 200 lilases quadrados...
# posted by Trilby : 11:52 AM

parabéns!
 
pois, foi boa ideia fazerem aquela citação, foi. vou só até ali citar o brecht num blog que tenho a favor do capitalismo e já venho.
 





blogue do não