Postas Pescadas - VI

De um leitor que se apresenta como «crente cristão», mas escreve como «cidadão livre e responsável perante a ordem jurídica», recebemos este texto que, pela sua clareza analítica, é incontornável, mesmo (especialmente?) para os nossos muitos visitantes adeptos do Sim.

Aborto - Tópicos de Reflexão

A – Uma questão de direitos humanos

1- Situação do problema

- Não é na qualidade de crente cristão que me situo perante o Referendo (R) mas enquanto cidadão, livre e responsável pela ordem jurídica. ---

- Sim!
- Abstenção no R.
- Posicionamento das pessoas - Hesitantes entre S e N.
- Não!

- Não vale a pena falar para quem já se decidiu. Só para os abstencionistas e hesitantes.
- A importância da informação, sólida, séria, que não escamoteie ou esconda…. para votar em consciência.
- O “eufemismo” IVG – não é uma interrupção mas uma cessação ….
“o programa não segue dentro de momentos”….

- Não deixar que a questão do Aborto se transforme apenas numa questão de “saúde pública”, como a vacinação…
- Se o feto não é vida, ou não é vida humana, então não há qualquer questão…

2 - Vida humana

- Mas se o feto é vida, e vida humana, então tudo muda de figura.
- E é vida humana, pessoa, embora ainda não madura… Tal como a criança recém-nascida não é ainda o adulto, capaz de exercer plenamente os seus direitos.
- Se não for cortada esta vida em evolução, 9 meses depois de iniciada, nasce uma criança. Não um rato ou um cão….
- O avanço da ciência e da técnica só vêm reforçar esta realidade: inseminação artificial, tronco cerebral (às 6 semanas) e batimento do coração (aos 18 dias), com autonomia em relação à mãe.

3 – Consciência, norma jurídica, tolerância e liberdade

- Dizer que a questão do aborto é uma questão de consciência não tem qualquer sentido válido; todas as minhas decisões livres, envolvendo direitos e responsabilidades, brotam da minha consciência: a questão é se procedo bem ou mal, em acordo ou desacordo com a norma ética; e caso a norma jurídica seja eticamente desajustada à situação, devo procurar mudá-la por meios legítimos.
- Como ninguém é obrigado a abortar, dizer não! não será impor a minha perspectiva e os meus valores? Não se trata de impor mas de propor à sociedade.
- A ordem jurídica tem sempre pressupostos e valores donde brotam as diferentes normas jurídicas; a sociedade e os seus responsáveis – legisladores – são chamados a transformar esses pressupostos e valores em normas: não matar, não roubar, não caluniar…
- É disso que se trata: quais os pressupostos éticos e valores (não necessariamente religiosos) e consequentes normas, da ordem jurídica, laica e democrática, em que eu/nós queremos viver?
- Permitir o aborto não será mais tolerante? Para com as mulheres é, sem dúvida; para com os fetos….não! Com certeza.
- Tal como quero viver numa ordem jurídica que proíba e não tolere o racismo, a pedofilia, o roubo, o tráfico de pessoas ou de droga, etc. quero viver numa sociedade democrática que proíba a aniquilação da vida humana em todos os seus estágios.
- Trata-se, ainda para mais, de vida humana frágil (mais indefesa) e inocente (não cometeu nenhum crime…)
- Permitir que alguém, mãe, pai, médico, Estado, possa destruir uma vida humana em evolução, é não defender, mas atacar o mais precioso bem jurídico, precisamente a vida humana, sobre a qual assenta toda a ordem jurídica.
- E a liberdade da mulher? perguntarão alguns. Em sociedade, a liberdade nunca é total, tem limites: termina quando choca com a vida e a liberdade do outro.
- Não se trata de ser contra as mulheres, muitas vezes vítimas, desamparadas e em grande sofrimento, mas sim de ser pela vida.
- É portanto uma questão ética e jurídica, civilizacional e de direitos humanos.

4 – Despenalizar a mulher ou liberalizar o aborto?

- A actual lei tem o mérito de só permitir o aborto por razões ponderosas: perigo de vida para a mãe / violação / mal formações congénitas / prejuízo para a saúde física ou psíquica da mãe.
- A lei proposta através do actual referendo, vem liberalizar totalmente o aborto até às 10 semanas, independentemente de qualquer razão: basta a mãe pedir. É o total arbítrio … O poder de vida ou de morte reconhecida a pessoas singulares, neste caso, às mães ….
- E o homem/pai, não terá nada a dizer sobre a gravidez? Não é também responsável por ela? E sobre a sua interrupção, não é “ouvido nem achado”?
- Esta facilitação/liberalização, ainda para mais custeada pelo Estado, inscreve-se na cultura de des-responsabilização e do facilitismo.
- A prevenção da gravidez indesejada, os métodos anti-contraceptivos, a educação sexual, a responsabilidade do Estado e das instituições, perdem importância.


- A responsabilização pelos nossos comportamentos (incluindo sexuais…) desvanece-se: Os métodos abortivos são cada vez mais sofisticados e o Estado financia o aborto… Há sempre uma saída!....
- A dolorosa e delicada questão da gravidez indesejada não se resolve pela liberalização do aborto, mas pela cultura da responsabilização e pelo combate às causas e não à vida.

B- A sociedade, a mulher e o aborto

Que se pretende com a alteração legislativa agora proposta pelo referendo?:

1- Evitar o aborto clandestino e poder realizá-lo em melhores condições de higiene e segurança.

- Parcialmente, é provável que este objectivo seja conseguido, que haja menos abortos clandestinos (porque os estabelecimentos de saúde os passam a fazer legalmente e em melhores condições).
Mas - De modo algum o aborto clandestino irá desaparecer: a vergonha e o secretismo, continuarão a atirar as mulheres para o “vão da escada” e as “clínicas estrangeiras”… e nem sequer se sabe, se irá diminuir, pois ninguém tem dados fiáveis….
- Como já não serão necessárias as razões ponderosas (que existem na actual lei) a vitória do sim! significará um aumento exponencial do número de abortos, agora legais (no Reino Unido, mais de 700%; na vizinha Espanha, o número de abortos foi de 85 mil, em 2004, um aumento de 73% relativamente a 1995)…..
- É isso que pretendemos ou aceitamos?
- Embora se fale na despenalização da mulher o que resulta, sem dúvida, é a liberalização do aborto.




2- Evitar a humilhação e o julgamento das mulheres que abortam.

- Todos os abortos praticados em estabelecimento de saúde autorizado, até ás 10 semanas e a pedido da mulher, seriam “legais” e portanto, terminaria a humilhação e o julgamento das mulheres que os tivessem praticado.
Mas - Será justo, sem mais ponderações, que a Sociedade e o Estado, para evitar a humilhação e o julgamento de mulheres, autorize a arbitrariedade de alguém, sem ter de alegar quaisquer razões, poder eliminar vidas humanas, indefesas e inocentes?
- Vale mais a humilhação e julgamento de uma mulher que a vida de um feto?

3- Evitar a condenação das mulheres que se prove terem abortado.

- Claro que se o aborto, nas condições previstas, deixar de ser crime, se passar a ser legal, não há mais julgamentos nem condenações sobre esta matéria. Consegue-se totalmente este objectivo.
- Note-se, no entanto, que neste momento e de há vários anos a esta parte, o número de condenações é baixíssimo, e não há nenhuma mulher a cumprir pena, pelo crime de aborto. Segundo informação oficial do Ministério da Justiça de 11 de Janeiro de 2007, os dados são os seguintes:
De 1997 a 2005 – houve:
- 36 - arguidos do sexo feminino,
- 17 - condenações,
- 9 - com prisão substituída por multa ou pena suspensa,
- 0 - prisões.

- Mas, será justa esta atitude, totalmente permissiva, sem avaliação prévia ou posterior, das “razões” do aborto, agravantes ou atenuantes?
Não será injustíssimo meter todas as situações no mesmo “saco”?

- E que fazer às mulheres e estabelecimentos de saúde que praticarem o aborto, depois das 10 semanas, às 11, 15, ou 20 semanas?
Deixá-las impunes…ou fazê-las passar pela humilhação e o julgamento que, diz-se, é o que se pretende evitar?

C - A mulher e o aborto

1- Atacar as raízes do problema

- O problema do aborto é um problema humano, ético e social, muito sério e que deve merecer toda a atenção e todo o cuidado.
- É responsabilidade dos próprios progenitores, em especial da mulher, que é a principal vítima, muitas vezes pressionada e abandonada e que não pode ser usada, abusada ou tratada irresponsavelmente.
- Para lutar contra este mal, (também os defensores do sim! reconhecem que o aborto é um mal) o caminho do futuro não pode ser o da liberalização, irresponsabilidade e facilitismo, à custa de vidas humanas em gestação. Para remediar o mal, seria fazer outro maior…
- O caminho passa, necessariamente, por uma política de prevenção outra e diferente e aqui todos somos responsáveis: Família, Escola, Sociedade civil, Igrejas, Estado.
- Tem que ser incentivada e levada à séria a educação sexual e o planeamento familiar, sobretudo entre adolescentes e jovens.
- É necessário também uma política séria de aconselhamento e apoio social e psicológico, ás mulheres que, bem ou mal, se vêem envolvidas com o problema de uma gravidez indesejada.
- Para os casos extremos de recusa absoluta, por parte da mãe, da nova vida que nela cresce, há que realizar alterações profundas na actual lei da adopção, facilitando-a e acelerando-a. Cerca de 10 a 15% de todos os casais (na Europa e em Portugal) são infecundos e uma alta percentagem estaria disposta a adoptar uma ou mais crianças.

2- A lei penal e a mulher

Por fim, que pensar de uma mulher que infringindo a lei, ontem, hoje ou amanhã, pratica o aborto?
- Inocentá-la, julgá-la e absolvê-la? Julgá-la e condená-la?
- Depende imenso das circunstâncias, cada caso é um caso e cada pessoa é diferente: é essa avaliação que a Sociedade e os cidadãos têm o direito e o dever de exigir: é muito diferente a situação de uma mulher que irresponsavelmente faz repetidamente do aborto um método contraceptivo, não sabendo, não querendo saber, recebendo os meios e as ajudas,… de uma mulher que vive dramaticamente e dolorosamente a sua situação humana.
- Assim, tem todo o sentido, distinguir entre a ilicitude do acto e a sua penalização, como recentemente alguns têm defendido. Nos casos em que uma pena deva ser aplicada há que pensar em penas alternativas e pedagógicas à prisão, como por ex. o serviço à comunidade…

Informação, educação, prevenção, ajuda - mas o fundamental é manter bem vivo o princípio de que a vida humana é o bem mais precioso e o fundamento da convivência em sociedade e de todos os outros direitos. Pelo reconhecimento deste princípio universal passa, sem dúvida, o futuro.

Assim, por ser mais fraterno e solidário, não contra as mulheres mas pela vida, vou votar não!

Comentários:
os católicos pregam o amor ao próximo, mas estão sempre na linha da frente parajulgar os outros...
passei agora pelo espaço do não no chiado.
A forma empenhada como dois jovens jovam playstation comoveu-me
ver um bando de miudos que não passaram ainda quase por nada a falarem com tanta convicção é sempre bom
quando perguntei auma jovem se já tinha tido relações sexuais, ela disse-me, que não era nada comigo.
exactamente disse eu, há coisas em que são do nosso foro pessoal
por isso e porque não acho que as mulheres sejam assassinas inconscientes voto sim

Sergio
 
Eu acho piada quando dizem que todos conhecem casos de mulheres que abortaram, tanto do sim como do não! Ainda por cima evocam casos de amigas!
Sou pela despenalização e não conheço nenhuma mulher próxima que tenha abortado!
Como é possível que os acérrimos e doentios defensores do não saibam disso, e achem simplesmente normal que isso continue a acontecer aos olhos de todos e desta ineficaz lei. Como pensam regulamentar o que não é facilmente detectável? Como conseguirão vossas excelências adivinhar o que está ou na na barriga de uma mulher que ainda não é proeminente?
Defendo e acho que todos defendemos a vida, mas o que está em causa é uma lei que não é eficaz e que só aumenta a vergonha e o medo que algumas pessoas têm de falar sobre a sexualidade!
 
A "clareza analítica" presente no texto escrito por um "cidadão livre e responsável" não faz com que os argumentos que ele apresente sejam incontornáveis (não é, de modo algum, o facto de ele não se apresentar como "crente cristão" que o torna mais ou menos credível - nem mesmo para os apoiantes do SIM!). De facto, parece-me que ele se limita a fazer uma resenha daquilo que já todos sabem ser o que o NÃO defende (e que tem sido refutado um pouco pelos vários blogs do SIM).

Uma vez mais, chama-se a ciência à baila para justificar a alegada imoralidade das mulheres que abortam, como se o início da "vida humana" ou as condições em que deve ser legal efectuar uma IVG fossem uma verdade científica irrefutável - não o é!

Fica por explicar, nesse texto, e à luz do principal argumento que é a defesa de uma vida frágil e indefesa, por que é que a violação e as malformações congénitas são consideradas excepções à lei aceitáveis. Como é que se avalia, julga e hierarquiza o sofrimento da grávida de modo a que se possa afirmar peremptoriamente que é aceitável abortar nos casos de violação e malformação fetal, mas já não o é por outros motivos (que não compreendem "estados de alma" nem o "porque sim") - e tantos que existem!

A despenalização do aborto não invalida que se aposte na educação sexual nem que se tente que a informação abranja um maior número de pessoas. Continuará a ser possível e desejável que sejam apresentadas outras soluções às mulheres que ponderam abortar, com a diferença de que, se o SIM ganhar, não haverá uma lei por trás que as ameace de prisão, caso a decisão delas seja efectivamente a IVG.

Vou votar SIM e sou pela vida. Alguém deste blog ousa convencer-me do contrário? :)
 
«Pintelho praguejador»...
Ora aqui está um blogger que faz jus ao seu nickname!
 
Irrefutável, caro anonymus das 5:02, algo depois da fecundação existe no útero da mulher. Saber se é um "que" ou um "quem" é o nosso desafio.
Voto "não" porque aposto no "quem"! E se fosse o caso, em dúvida, não deixaria de favorecer o "quem".
 
Anda aqui um gajo à procura de uma verdade científica ''irrefutável''! Isso existe, ó gabiru? Nós, à cautela, mesmo com muitas dúvidas tomamos medidas para reduzir o aquecimento global. E não vamos por medidas radicais porque o santo dinheirinho manda. Admite, rapaz, que não tens a certeza de nada haja de ser humano antes das 10 semanas. Não deves ser completamente destituído, apesar do 'sistema de ensino' que te lobotomizou, não deves ter perdido a 'consciência', apesar de ficares feliz a fazer número no rebanho dos anencéfalos pastoreados pelos 'jornalistas'. Admite que não tens a certeza. Na dúvida, ó pingarelho, se ainda te resta alguma vértebra, só podes dizer Não!
 
Enquanto uns não conhecem, eu sei de casos de algumas que fizeram 6 e mais (andavam a coleccionar pontos no cartão?!), algumas ficaram com mazelas e não podem voltar a ter filhos, o que diga-se ainda bem ou continuaria o regabofe no vão da escada.
Por acaso essas nunca terão ouvido falar em planeamento familiar ou o planeamento delas consiste mesmo em abortar?

Agora venham-me com a falácia do ânimo leve.
 
Se calhar, as pessoas não são muito estúpidas. Não sabem é escrever...
Provavelmente, também não sabem ler.
E depois? Depois é uma chatice porque não entendem nada. Por isso, talvez não sejam muito estúpidas mas só estupidas. O quanto baste.
A consequência é uma tremenda ignorância e ajuizam o que julgam que sabem, mas, de facto, não sabem. Não entendem o que é o ser humano e como ele é gerado desde o início. Até é possível que não entendam o que pode acontecer quando têm relações sexuais.
Esta é capaz de ser uma explicação plausível para a posição que tomam os que vão votar "sim" no referendo. Temos que os perdoar porque não sabem o que fazem.
 
"(...) por isso e porque acho que Os fetos não podem ser as vitimas da irresponsabilidade de outros. Voto NÃO!...
 
"Vou votar SIM e sou pela vida. Alguém deste blog ousa convencer-me do contrário?"

Claro, votas SIM pela vida da mulher e és pela vida! Parabéns!... Mas,... votas Não pelo feto e (elementar meu caro!) não és pela vida!...

"Admite, rapaz, que não tens a certeza de nada haja de ser humano antes das 10 semanas."

O que eles não nos explicaram é quando começa a vida! No moderno e avançado mundo ocidental, esta resposta é variável: o início da vida depende(pasme-se?!) da localização geográfica. Em Portugal (pelo referendo) será às 10 semanas (curiosamanente, ou talvez não!, o projecto do PS indica 12 semanas, a resolver post-referendo) noutros países vai até às 16 semanas, noutros às 24, noutros até ao parto (9 meses) e nos mais ousados (EUA, Canadá,...), nalgumas circunstâncias, até ao "partial birth abortion" (eufimistica expressão para "infantícidio").

Sublinhe-se a coerência: num mundo em que nos apregoam a relatividade e subjectividade de toda a ética, até o inicio da vida é... "relativo"!
 
Sérgio "os católicos pregam o amor ao próximo, mas estão sempre na linha da frente para julgar os outros..."

Com essa frase, confesso-lhe que já não sei quem julga quem! Penso que perdeu uma boa oportunidade de...
 
Aceitar que o aborto em caso de violação seja uma excepção à lei, é isso mesmo, uma excepção. Como regra é a vida que deve ser apoiada. E acreditando que o mais forte deva proteger o mais fraco, só posso votar NÃO no dia 11.
 





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